quarta-feira, 22 de agosto de 2007

"Tudo muda exceto a própria mudança."


"Tudo muda exceto a própria mudança."


Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado.... Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo.... É na mudança que as coisas acham repouso....

(Heráclito, fragmentos.)
Nossos amigos gregos consideravam o filósofo Heráclito como "O Obscuro", e tinham suas razões. Heráclito foi talvez o mais délfico dos pensadores pré-socráticos. Este homem taciturno, com uma perspectiva meio severa da vida, afirmava essencialmente que todas as coisas, boas e más, devem passar.

Como Tales de Mileto (o inventor da filosofia grega), Heráclito achava que todas as coisas eram feitas de uma única e permanente substância, a qual tinha de ser um dos quatro "elementos": — terra, ar, fogo e água. Tales escolheu a água. Heráclito, o fogo. "O raio dirige todas as coisas," era sua máxima secreta.

O mundo, pensava ele, é como a chama de uma vela: sempre o mesmo em aparência, mas sempre mudando em substância. Ironicamente, seu exemplo mais famoso desse paradoxo de forma/substância é aquático: "Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio". Ainda que o rio possa parecer ser sempre o "mesmo", suas águas fluem incessantemente. No momento em que você põe o pé na água, ela já se foi.

Da mesma forma, todo o mundo está em permanente fluxo; a mudança é constante e inexorável. Ao ponto de vista de Heráclito, de que tudo muda, outros adicionariam a conclusão lógica, "exceto a própria mudança." Heráclito não queria dizer que tudo é um caos; por trás do fluxo e do conflito, ele enxergava um princípio diretor, uma força organizadora, que ele chamou de logos, palavra grega que significa "razão" ou "lógica".

É esse logos desmaterializado, inerente ao universo, que transforma o conflito e a mudança em beleza e prazer. "Oposição traz concórdia" é um dos paradoxos de Heráclito. "Da discordância vem a mais bela harmonia." O bem não existe separado do mal, a saúde da doença, a saciedade da fome, ou o descanso do cansaço: eles são os dois lados da mesma moeda metafísica, sucedendo-se um ao outro à medida que a mudança obriga a moeda a girar e girar."

As idéias de Heráclito emergiram outra vez, embora ligeiramente alteradas, na filosofia de Empédocles (quinto século a.C.), que inspirou o poeta latino Horácio, quatro séculos mais tarde, a cunhar a frase concordia discors — "harmonia na discordância". As noções de Platão acerca da transitoriedade da matéria e da permanência das idéias também têm seu débito com Heráclito, assim como (mais indiretamente, porém) os sentimentos do sábio Eclesiastes, da Bíblia, cujo sonoro verso, "para tudo existe um tempo," é apenas mais um dos seus toques gregos.

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